15 de set. de 2009

Ostra(cismo)


Acordei cedo, era sábado e como combinado fui à praia com minha mãe e Elisa. Fomos à Maria Farinha depois de anos sem nunca mais ter ido. A orla estava irreconhecível, a natureza fez seu papel de incontrolável continuidade expulsando intrusos. Sol fritante, pedi logo uma cerveja que no primeiro gole me fez pensar como existem coisas na vida que se tornam um mal necessário, mas isso foi questão de segundos assim como foi também a chegada de um garoto moreno, queimado do sol, descalço com um balde de alumínio na cabeça gritando “olha a ostra, olha a ostra”. Adoro ostra! E com cerveja é uma maravilha. È como a necessidade da presença da farinha em um prato de feijão. Entende?

Dei um grito que ele veio correndo e num galope só foi dizendo logo seu preço (sete é um real) e mostrando seu sorriso, sorriso branco-feliz, fechou contrato em nove a um real. Mas enquanto ele nos servia, eu fotografava e a curiosidade me batia, me incomodava pelo tipo de trabalho que fazia e pela aparência de criança que tinha. Perguntei logo sua idade e fiquei sabendo que eram apenas 14 anos e trabalhava a cinco no ramo do molusco assim como seu pai e sua mãe. Eu pensei: meu Deus, ele trabalha desde os nove anos. Será que ele sabe o que é Bob Esponja, bola de gude, vídeo game, entre outras coisas que fizeram parte da infância de qualquer criança normal perante a minha realidade? E como ele consegue trabalhar dessa forma tão alegre e feliz, conversando e atendendo bem a clientela? Pelo que eu me lembro, comecei a trabalhar quando eu tinha o dobro da idade que ele começou, afinal de contas nesse Brasil “grandioso” só se é permitido trabalhar a partir dessa idade, pelo menos na época que comecei. Perguntei se ele estudava, ele disse que sim, mas foi um sim constrangedor e o sorriso ficou amarelo. Fingi que acreditei e mudei logo de assunto, mas ele continuou e disse com todo entusiasmo que tinha Orkut e que queria colocar as fotos que eu fazia lá. Perguntei seu nome e descobri que era Josuel, só Josuel. Não quis me dizer o sobrenome, apenas me disse que era “assim solitário e pronto!” Mas ele era feliz por isso, mas eu não fiquei feliz com isso. Pensei: Josuel e pronto... pronto pra que? Para qual vida? Para onde? Por que só Josuel? Mas, o mais importante é que ele nos passou uma imagem de que era feliz com seu trabalho e vida, na ilusão de que esse mundo já é o suficiente para ele. Já basta. Sem precisar de mais nada para sua melhora.

Sentindo-me mais intimo do autônomo vendedor perguntei:

- Josuel, você é feliz?
Esperando alguma resposta ignorante e constrangedora, ele me respondeu com outra pergunta e sorrindo branco:
- Por quê? Você não é?

Juro que fiquei sem resposta, sem ação. Ele não me respondeu com essas duas perguntas, mas sim com seu sorriso branco-feliz, e ele sabe que é feliz. Já eu, sou feliz e num sei, ou não sabia.
Por Hesíodo Góes
Foto: Hesíodo Góes

2 comentários:

Kari disse...

Mas e por que ele não seria feliz? Talvez ele nem conheça Bob Esponja, mas nem por isso ela não é uma criança feliz. A realidade dele é outra. As realidades nunca são iguais. E sabe... Talvez ele até seja mais feliz sem conhecer o Bob... Quando a gente nunca teve, é difícil sentir falta (difícil, não impossível).

Linda reflexão, guri!

Beijão pra tu

Renata disse...

Não é preciso muito para ser feliz, não é?
Mas as vezes precisamos ver q os outros são felizes com tão pouco, para nos darmos conta de que a felicidade normalmente só depende de nós. Afinal a felicade está dentro de cada um e não nas coisas q possuimos.
Belo texto, e mais bela ainda foi a sua descoberta no final!!!
bjinho